O POEMA E O POETA
Josessandro Andrade
O poema é o tecido vivo
de carnes e nervos
que o poeta costura
e acaricia com palavras.
O poema é o projetor
do néctar do verbo
que o poema acolhe
de imagens e símbolos.
Ambos tem o ofício
de cumprir a dura missão
de tornar a vida mais aberta
menos triste e mais real.
A (NO)VELHA ORDEM
Josessandro Andrade
Saúdem os ventos da Nova Ordem Internacional
Cantem os cânticos de cisne das ideologias
Louvem o Deus das trinta moedas
A falência do inverno soviético
O desabar das pedras em Berlim
Beijem as manchetes que determinam
O fim da história
Tudo são flores nos jardins do Morumbi
Tudo são rosas nas cobertas do Leblon
Na nova ordem internacional
Tudo é modernidade no quartel de Abrantes
Que continua quase como antes.
Hoje, um empresário já sai de Petrolina
Para ir jantar em São Paulo
E pouco importa se três moleques de Periferia
Fazem quatro ou cinco dias que não tem comida em casa
Hoje, um produtor rural
Com tecnologia aplicada quadruplica
A produtividade de seus rebanhos
E ninguém se preocupa
Se um problema feudal com o dos sem-terra
Faz os bóias-frias comerem o pão que o diabo amassa
Incorporação, interação
São as quatro palavras-de-ordem
Na nova ordem internacional
Hoje, fome, desemprego, violência
São questões velhas e abstratas
Para deleite intelectual
De sociólogos ultrapassados.
Vivermos na nova ordem internacional
Vivemos agora na nova era da globalização
Onde não há espaço para o homem
Com seu saco remendado de sonhos em farrapos,
Caindo como andrajos pobres
De mendigos que esmolam nas pontes
De velhos subnutridos, de dentes cariados,
Unhas sujas e roupas nojentas
Estendendo as mãos magras nos semáforos
De favelas a espera de desabamento
No alto dos morros
Ou de palafitas a espera de alagamento
Na invasão dos rios.
Por onde andamos na nova ordem internacional,
Nos edifícios, fábricas e lojas
Lê-se placas com uma só mensagem:
“não há vagas!”
Não há vagas para o homem
Com seu senso de solidariedade, com sua sede de justiça
Com seu arsenal de paixões
E outros sentimentos sublimes.
As máquinas? As máquinas
São garantias de qualidade total
Na nova ordem internacional
Maquinas não fazem greve
Maquinas não tiram férias
Maquinas não adoecem
Maquinas são tudo
Na nova ordem internacional
E nós, companheiros?
Que iremos fazem com toda esta revolta
Esparramada nos calos do pensamento
Que ainda não colocou nos classificados de jornal
Sua esperança à venda?
Na janela Kurt Cobain degola-se
Com uma tesoura cega
Como um Maiakouski musical e sem vodca,
Vencido pelo tédio endinheirado
Na nova ordem internacional.
A ressaca bafora fadigas lambuzadas
Pelos cara-pintadas perdidos
Ante o peso dos mercados
E Betinho encarando fomes
De um (no) velho quarto (i)mundo
É uma cena estampada na vidraça
Dos Shoppings Centers escassos de remorso
Nos festivais, o chapéu de palha de Chico Science,
A guitarra de Fred Zero Quatro
E as imagens perfumadas de Lírio e Paulo Caldas
Já voam altar a dentro
Espatifando o armorial Santo do Pau oco
Que dorme nas católicas mansões da Casa Forte
E suas essências escandalizam
Até as viúvas do Tropicalismo
-Hoje, garotas-propaganda do governo
E as essências escancaram
A pupila dos assombros
Nos olhos dos patifes de plantão
Na nova ordem internacional
A Modernidade avança
Mas, não consegue curar
Uma doença tão cruelmente antiga
Como a miséria, crua
Como nos dramas de Macena.
Por isto, companheiros
Decretemos!
Não podemos viver de expectativas aposentadas
E fingir que não escutamos
Os tambores da história
É preciso reinventar nossas usinas trópicas
Instaladas nas estrelas e porões
Na nova ordem internacional
Eu estarei aqui
Sobrevivendo de minhas ânsias e desejos
Guardando nos bolsos
A brasa da Flor de Carne
Para que não acabe na colméia dos abutres,
Fora, totalmente por fora
Da novelha ordem internacional.