sábado, 20 de agosto de 2011


O POEMA E O POETA
Josessandro Andrade

O poema é o tecido vivo
de carnes e nervos
que o poeta costura
e acaricia com palavras.

O poema é o projetor
do néctar do verbo
que o poema acolhe
de imagens e símbolos.

Ambos tem o ofício
de cumprir a dura missão
de tornar a vida mais aberta
menos triste e mais real.






A (NO)VELHA ORDEM
Josessandro Andrade

Saúdem os ventos da Nova Ordem Internacional
Cantem os cânticos de cisne das ideologias
Louvem o Deus das trinta moedas
A falência do inverno soviético
O desabar das pedras em Berlim
Beijem as manchetes que determinam
O fim da história
Tudo são flores nos jardins do Morumbi
Tudo são rosas nas cobertas do Leblon
Na nova ordem internacional
Tudo é modernidade no quartel de Abrantes
Que continua quase como antes.
Hoje, um empresário já sai de Petrolina
Para ir jantar em São Paulo
E pouco importa se três moleques de Periferia
Fazem quatro ou cinco dias que não tem comida em casa
Hoje, um produtor rural
Com tecnologia aplicada quadruplica
A produtividade de seus rebanhos
E ninguém se preocupa
Se um problema feudal com o dos sem-terra
Faz os bóias-frias comerem o pão que o diabo amassa
Incorporação, interação
São as quatro palavras-de-ordem
Na nova ordem internacional
Hoje, fome, desemprego, violência
São questões velhas e abstratas
Para deleite intelectual
De sociólogos ultrapassados.
Vivermos na nova ordem internacional
Vivemos agora na nova era da globalização
Onde não há espaço para o homem
Com seu saco remendado de sonhos em farrapos,
Caindo como andrajos pobres
De mendigos que esmolam nas pontes
De velhos subnutridos, de dentes cariados,
Unhas sujas e roupas nojentas
Estendendo as mãos magras nos semáforos
De favelas a espera de desabamento
No alto dos morros
Ou de palafitas a espera de alagamento
Na invasão dos rios.
Por onde andamos na nova ordem internacional,
Nos edifícios, fábricas e lojas
Lê-se placas com uma só mensagem:
“não há vagas!”
Não há vagas para o homem
Com seu senso de solidariedade, com sua sede de justiça
Com seu arsenal de paixões
E outros sentimentos sublimes.
As máquinas? As máquinas
São garantias de qualidade total
Na nova ordem internacional
Maquinas não fazem greve
Maquinas não tiram férias
Maquinas não adoecem
Maquinas são tudo
Na nova ordem internacional
E nós, companheiros?
Que iremos fazem com toda esta revolta
Esparramada nos calos do pensamento
Que ainda não colocou nos classificados de jornal
Sua esperança à venda?
Na janela Kurt Cobain degola-se
Com uma tesoura cega
Como um Maiakouski musical e sem vodca,
Vencido pelo tédio endinheirado
Na nova ordem internacional.
A ressaca bafora fadigas lambuzadas
Pelos cara-pintadas perdidos
Ante o peso dos mercados
E Betinho encarando fomes
De um (no) velho quarto (i)mundo
É uma cena estampada na vidraça
Dos Shoppings Centers escassos de remorso
Nos festivais, o chapéu de palha de Chico Science,
A guitarra de Fred Zero Quatro
E as imagens perfumadas de Lírio e Paulo Caldas
Já voam altar a dentro
Espatifando o armorial Santo do Pau oco
Que dorme nas católicas mansões da Casa Forte
E suas essências escandalizam
Até as viúvas do Tropicalismo
-Hoje, garotas-propaganda do governo
E as essências escancaram
A pupila dos assombros
Nos olhos dos patifes de plantão
Na nova ordem internacional
A Modernidade avança
Mas, não consegue curar
Uma doença tão cruelmente antiga
Como a miséria, crua
Como nos dramas de Macena.
Por isto, companheiros
Decretemos!
Não podemos viver de expectativas aposentadas
E fingir que não escutamos
Os tambores da história
É preciso reinventar nossas usinas trópicas
Instaladas nas estrelas e porões
Na nova ordem internacional
Eu estarei aqui
Sobrevivendo de minhas ânsias e desejos
Guardando nos bolsos
A brasa da Flor de Carne
Para que não acabe na colméia dos abutres,
Fora, totalmente por fora
Da novelha ordem internacional.



















CABEÇA DE POETA

Na cabeça de Poeta
Os destinos não são poucos,
Pois mesmo sendo um profeta,
Acredita nos sonhos mais loucos.









CARTA PARA O POETA MARCO ANTÔNIO CORDEIRO

(FALECIDO EM SÃO PAULO-SP)
Meu amigo, meu irmão
Saberei agora dos teus rastros, poeta,
Menino universal, vate de aldeia,
Estranhando deslumbrado o caos metropolitano
Lamentando a especulação imobiliária
A deflorar a poesia das noites do centro paulistano
Com suas rodas de choro e a Liberdade.
Ah a liberdade...
Os pobres e tragos por entre conversas no bar,
Análise de conjuntura, MPB, filosofia,
As mulheres, ah! Herança de família...
Mitologia grega, anti-matéria, ufologia,
Como as histórias do poeta Luciano Magno,
A lembrar Alagoa de Baixo já tão distante
A esquina dos correios, o banco da praça,
Livros de Corsino de Brito e Alcides Lopes,
O batente da calçada de Áurea Freire,
O Kardecismo, o tarô de Eliane de Normando,
A Avenida Agamenon Magalhães, o Olavo Bilac,
Com que sonhas, sem saber que não mais verás,
Sem desconfiar que tua volta será congelada,
Como numa máquina do tempo,
Pra quando não mais existir passagem
E tudo for exatamente perene,
Conformação que hoje encontramos,
Ao relembrar estes teus delírios de homem do Moxotó,
Partilhamos por compadre Leonildes Roque
Exilados sociais de um país chamado Nordeste,
Ancorando vossa nau de saudades
No éter telúrico das madrugadas cheirosas
Enquanto por aí te consolas ao contemplar
O clone de Waldemar Cordeiro, (o Galego...)
E o mestre Dema, solitário te acolhe
Como um dos primogênitos pra um sarau celeste,
Enquanto a humanidade repousa no vômito,
Tua alma baila no rio de leite e mel...
E banha-se de vinho com as ninfas dos sonhos...







                                                  
A DESCOBERTA

Os amores que sobrevivem escondidos
Como secreto perfume das flores
Por mais perigosos e proibidos
São os melhores de todos os amores.